Está lá fora o 73/73

(…)  O crescimento exponencial da classe dos arquitectos (dos cerca de 862, em 1973, para os 11 mil de hoje), se representa, por um lado, a nossa “força”, a capacidade de dialogarmos e sermos ouvidos, de influenciarmos, de exigirmos atenção, de modificarmos criativamente o “real”, representa também a nossa fraqueza, a consciência que temos do risco ou da possibilidade do aumento proporcional de outras duvidosas qualidades, do desleixo, do acriticismo, da incompetência ou da vulgaridade.
A Ordem, a ideia da Ordem, surgiu no tempo certo, tendo como objectivo “moralizar” as relações, dignificá-las, fazer-se porta-voz e entidade reguladora de uma exigência (de rigor, de trabalho, de qualidade, de acerto ético), comprometendo a inteira classe dos arquitectos com o “real social”, a partir de dentro, emanados de si próprios.
A Ordem – o que quisermos que os seus órgãos sociais sejam e decidam, o mandato que lhe dermos – terá de ser, então, a entidade principal no diálogo que se vier a fazer com o poder político e com os outros agentes, para o estabelecimento do que entendermos dever ser uma regulação eficaz e socialmente útil dos actos de arquitectura.

Manuel Graça Dias
“Editorial” in JA, n.º 215, Abril, Maio, Junho 2004, p. 3.

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“(…) A edificabilidade é hoje um valor finito e quantificável, os planos de ordenamento do território definem a quantidade de metros quadrados disponíveis para construir em todo o território português. Este facto fará em breve do exercício da arquitectura (em qualquer intervenção e independentemente da sua escala) um exercício selectivo. Torna-se necessário que quem projecta seja consciente que o acto de projectar é também um exercício de crítica e de consciência cívica.
A revogação do 73/73 é, ao mesmo tempo, promissora e preocupante. Se, por um lado, vemos reconhecida a especificidade da profissão, e a possibilidade de sermos responsáveis pelas condições do seu exercício, somos também confrontados com a evidente insuficiência da nossa preparação para o fazer. Parece-me evidente a existência de um no man’s land no espaço que corresponde à discussão e responsabilização pelas consequências que as decisões que o projecto assume quanto ao seu caráter, uso, articulação com outros edifícios e com o espaço entre eles, o território, a paisagem, o tempo. Vejo ainda os arquitectos desconfiados perante a crítica de arquitectura e esta demasiado embrenhada na identificação dos seus momentos singulares.
É o universo da reflexão e crítica, tão negligenciado pela disciplina, que se torna fundamental proteger e desenvolver.
(…) O que observamos hoje é uma enorme exponenciação do número de arquitectos, agora incompatível com a escala da situação anterior, transformada em mercado de trabalho. É pertinente pensarmos um espaço que garanta condições de reflexão e de divulgação que nos permita assegurar a competência da arquitectura que se pratica, e que não se limite às instituições académicas. Não me parece, no entanto, que esse papel caiba à Ordem.
A Ordem dos Arquitectos não deve correr o risco de, por um lado, defender os interesses dos seus  associados num sentido corporativo e, por outro, desenvolver critérios de qualidade que, em seu nome, constituam factores de diferenciação entre os membros. Este papel devera ser desempenhado por uma instituição independente, uma instituição que faça a ponte entre a Ordem e o Estado, que desenvolva mecanismos de recolha de análise crítica e de intervenção social e institucional, de apoio a iniciativas dos associados, mas que possibilite também a intervenção de gente exterior ao âmbito profissional estrito, gente que possa contribuir para o alargamento e qualificação da discussão. (…)”

Bruno Baldaia
“Ground zero” in JA, n.º 215, Abril, Maio, Junho 2004, pp. 66-67.

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